terça-feira, 10 de novembro de 2015

A CONSTRUÇÃO FILOSÓFICA DO PERFIL DOCENTE


     
    Segue abaixo um extrato do artigo "A construção filosófica do perfil docente: reflexões necessárias à prática", dos autores: Fabiana Martinello Paez  e Antonio Serafim Pereira – UNESC. A sua leitura vai ajudar ao aluno/professor a definir-se pelo caminho que vai seguir.

Concepções da Filosofia da Educação e a construção do perfil docente
      
     Para melhor compreender a construção filosófica da identidade e do perfil docente, faz-se necessário trazer nesta reflexão as caracterizações das concepções filosóficas da educação, que hoje são discutidas nos meios acadêmicos e na formação continuada de docentes. As concepções, segundo classificação proposta por Saviani (1994), são: humanista tradicional, humanista moderna, analítica e concepção dialética.

a) Concepção humanista tradicional: Para esta concepção, também chamada de concepção essencialista, o sujeito constitui-se de uma essência imutável e à educação cabe aceitar e acolher essa essência. Não há lugar para inovações e as mudanças são consideradas acidentais. O ser humano é o que é, ou seja, nasce determinado. Há duas vertentes nesta concepção, a religiosa, cuja manifestação se consubstancia nas correntes do tomismo e do neotomismo e a vertente leiga, centrada na ideia de “natureza humana”. É desta vertente que surgiu os sistemas públicos de ensino laicos, obrigatórios e gratuitos. Destaca-se, neste sentido, o intelectualismo de Herbart, que desenvolveu o método de ensino que pode ser sintetizado em cinco passos: preparação; apresentação, assimilação; generalização e a aplicação. Método utilizado na maioria das escolas até os dias atuais. Na visão tradicional se privilegia o adulto, considerando-o como homem completo. Por isto, a educação se centra no educador e no conhecimento.

b) Concepção humanista moderna: Esboça-se numa visão de homem centrada na vida, na existência, na atividade. Esta concepção abrange correntes, como o existencialismo, pragmatismo, fenomenologia. A existência precede a essência. Conforme Dewey (1980), a educação é vida; vida é desenvolvimento e a finalidade do desenvolvimento é mais desenvolvimento. A natureza humana é mutável, determinada pela existência. O homem é considerado completo desde o nascimento e inacabado até morrer. Então, a educação foca-se no educando, na vida, na atividade. O elemento que define o ser é característica do próprio existir. O homem é ligado de forma concreta à realidade e a partir desta ligação com o mundo vai se construindo. O ser é de fato o que parece, a realidade está no fenômeno e não fora dele. A educação não segue um processo contínuo, segue um ritmo variado, determinado pelas diferenças individuais, em que, às vezes, predomina o psicológico sobre o lógico e os momentos educativos acontecem independentemente da vontade ou da preparação. O necessário é estar pré-disposto para esta possibilidade de acontecimento.

c) Concepção analítica: O significado de uma palavra só pode ser apontado em função do contexto que é utilizada, entendido como contexto linguístico e não sócioeconônico ou político. Parte do princípio de que o significado de uma palavra é dado pelo emprego, pelo uso ou funcionalidade que se faz dela. Ou seja, pressupõe que a tarefa da Filosofia da Educação é efetuar a análise lógica da linguagem educacional.

d) Concepção dialética: Concebe o sujeito com o resultado das relações sociais e de seu meio social. Admite a realidade como algo dinâmico, mutável, sujeito a transformações. A tarefa da Filosofia da Educação é explicitar os problemas educacionais, que precisam ser entendidos como integrantes de um contexto histórico que estão inseridos. Assim como a concepção humanista moderna, a concepção dialética admite que a realidade é dinâmica e este dinamismo se explica pela interação recíproca de todas as partes que o formam, bem como das contradições que lhe são inerentes, portanto, sua própria negação. Neste sentido, a educação tem o papel de contribuir para uma nova formação, a partir da velha e dominante, pois a essência humana nesta concepção é produzida historicamente. Ela existe assim que o ser humano nasce, mas é dinâmica, produzida e modificada historicamente.
    
    As concepções destacadas acima se articulam com as correntes ou tendências filosóficas: positivismo relaciona-se com a concepção tradicional; o existencialismo com a concepção humanista moderna; o marxismo com a concepção dialética e a fenomenologia com a concepção analítica.
     
   Consideramos oportuno articular estas correntes e tendências filosóficas com as propostas e práticas educacionais, visando contribuir para uma maior compreensão acerca da construção do perfil docente a parti do olhar desta articulação.
     
   O positivismo é compreendido como um paradigma filosófico naturalista e materialista, que compreende três idéias centrais todo o conhecimento do mundo material decorre dos dados ‘positivos’ da experiência e é somente a eles que o investigador deve aterse; existe um âmbito puramente formal, no qual se relacionam as ideias, que é o da lógica pura e o da matemática; todo conhecimento dito “transcendente” metafísico, por exemplo, se situa além de qualquer possibilidade de verificação prática, portanto, deve ser descartado.
     
   O contexto educacional escolar amparado nesta ideologia serve aos interesses da classe dominante, pois propaga a reprodução do status quo. O sistema educacional brasileiro pelo paradigma positivista organiza o ensino por disciplinas isoladas, desconsiderando os saberes sobre o homem e sua existência. As aulas, com essa orientação, tornam-se repetitivas e reprodutivas, com conteúdos descontextualizados e fragmentados. O professor, na visão da escola tradicional, deve reproduzir o conhecimento que é pronto e acabado. Cabe ao aluno memorizar e reproduzir a informação. O professor fala, o aluno ouve. Não há tempo para discussões ou questionamentos, portanto, não há tempo também para construção de novos conhecimentos ou elaboração do pensamento crítico. Assim, a educação escolar concebida no positivismo, para Ronca; Terzi (1996, p. 24):

... ao invés de incentivar a organização de pensamento, incita à             dispersão, à superficialidade. Troca a possibilidade de uma reflexão crítica mais coletiva pela   certeza da simplista transferência de conhecimentos, mais unilateral e individualista. Egocêntrica, talvez: é o professor que transfere o conteúdo que ele sabe. O aluno o recebe pronto. Basta memorizá-lo. Mais tarde, na prova, será cobrado.”
     
    Entretanto, segundo Demo (1987), com o positivismo ganhou-se mais rigor científico, agarrando-se nas condições lógicas das pesquisas. Por outro lado, vem se atribuindo um crescimento maior pela análise filosófica, pois ela vem contribuindo com a reflexão epistemológica para a invenção de novos métodos que dêem conta de alguns problemas da ciência. Além disso, a ciência necessita da reflexão filosófica para desvendar os interesses que comandam seus processos e utilização de seus resultados.
     
      Concebe-se a fenomenologia como o estudo dos fenômenos em si mesmos, independentemente dos condicionamentos exteriores a eles, cuja finalidade é apreender sua essência que é a estrutura de sua significação. A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas também a fenomenologia é uma filosofia que substitui as essências na existência. Toda a verdade é construída sobre o mundo vivido, e para fazer ciência com sentido e com rigor, deve-se considerar a experiência do mundo, da qual ela é expressão. Propõe uma reflexão exaustiva, sempre e contínua, sobre a importância, validade e finalidade dos processos adotados.Não deve haver sistemas concluídos, pois o papel de estar no mundo é sempre interrogá-lo. Na fenomenologia as percepções dos sujeitos são importantes e, sobretudo, salienta o significado que os fenômenos têm para as pessoas.
            
     Os críticos da fenomenologia afirmam que ela considera a história da realidade, sendo conservadora, tal qual o positivismo, e que estuda a realidade com o intuito de descrevê-la, de apresentá-la como ela é, de fato, em sua experiência pura, sem intenção de nela realizar transformações substanciais.

     Para a educação escolar, a fenomenologia dá ênfase ao ator, na experiência pura do sujeito, em forma subjetiva. Por conseguinte, não faz uma leitura crítica sobre a força opressora e alienante da ideologia, que a classe abastada exerce sobre a classe menos privilegiada. Segundo Trivinos (1987), elimina-se, por essa corrente filosófica, todas as possibilidades que as informações possam se revelar além da máscara que a ideologia dominante pode oferecer.
     
     Para Luckesi e Passos (2004, p. 227) a tendência filosófica marxista “constitui-se em uma teoria materialista da sociedade, para a qual o mundo material exerce uma predominância sobre o mundo ideológico e no qual o movimento é sua própria essência.” Hegel, filósofo alemão do século XIX explica o materialismo dialético afirmando que o processo dialético impulsiona o desenvolvimento da ideia absoluta pela sucessão de momentos de afirmação (tese) de negação (antítese) e de negação da negação (síntese). O materialismo histórico é a aplicação da teoria de Marx ao estudo da evolução histórica das sociedades humanas, pelas quais, o modo de produção dos bens materiais condiciona vida a social, política e intelectual que, por sua vez, interage com a base material. Autores como Marx, Engels, discutem que a história de todas as sociedades do passado é a história da luta de classes. Nesse sentido, no decorrer do processo histórico, as relações econômicas evoluíram segundo uma contínua luta dialética entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores espoliados e explorados.
     
     O materialismo histórico é a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade. Para Triviños (1987, p.51) “o materialismo histórico significou uma mudança fundamental na interpretação dos fenômenos sociais que, até o nascimento do marxismo, se apoiarem concepções idealistas da sociedade humana”.
     
     Desse modo, o docente que se apoia nos fundamentos da matriz filosófica do materialismo histórico dialético, deve ter presente em sua estrutura de pensamento uma visão de mundo dialética da realidade natural e social. Deve estar convencido de que existe uma realidade objetiva fora da consciência e que esta consciência é um produto resultante da evolução do material, o que significa que para o marxismo, a matéria é o princípio primeiro e 7 a consciência é o aspecto secundário. Este processo se manifesta com uma explicação do processo histórico a partir das relações de produção material na sociedade.
     
     Esta corrente filosófica revela a historicidade do fenômeno e suas relações em nível mais amplo e complexo de um contexto e, ao mesmo tempo, estabelece e aponta as contradições possíveis dentre os fenômenos investigados. Neste século, segundo Luckesi e Passos (2004, p. 227), “a concepção marxista tem sido largamente estudada como recurso para desvendar as tramas sociais”, no campo da política e da educação. Destaca-se que foi nesta tendência filosófica que algumas tendências pedagógicas se inspiraram para construir suas matrizes teóricas muito discutidos nos meios acadêmicos e presentes nas diretrizes curriculares, pensamentos e práticas escolares atuais, como por exemplo, o princípio de interdisciplinaridade e contextualização.
     
     Segundo Saviani (1994), a partir da concepção dialética é possível compreender o aparecimento e a superação das diversas concepções filosóficas e pedagógicas, que se constituem no tempo e espaço, na medida em que se configuram as relações de produção e poder da sociedade em questão.
     
     Por esta concepção, a formação docente precisa ser encaminhada no sentido de contribuir para que o professor perceba e compreenda, crítica e globalmente, a sua prática no confronto com o contexto micro e macropolítico da escola. Uma formação docente que reconhece o conhecimento que os professores possuem com ênfase na crítica reflexiva dos mesmos, possibilitando-lhes colocar o poder do cotidiano escolar em discussão e a ultrapassar as limitações do existir.

     
     Isso será possível se o docente tiver oportunidade de ressituar suas pautas habituais, alterando significados convencionais por novas linguagens, diálogos e novas identidades. Se a formação se constituir como espaço no qual os professores possam problematizar os discursos que servem para organizar e legitimar os modos específicos de nomear, organizar e vivenciar a realidade escolar e social (textos didáticos, disciplinas, currículos, divisão de tempo, espaço, etc.); entender como se produzem as significações no âmbito dos espaços educativos em que se movimentam, que em geral têm deles somente uma visão parcial e pouco consciente (PEREIRA, 2009) .

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