Segue abaixo um extrato do artigo "A construção filosófica do perfil docente: reflexões necessárias à prática", dos autores: Fabiana Martinello Paez e Antonio Serafim Pereira – UNESC. A sua leitura vai ajudar ao aluno/professor a definir-se pelo caminho que vai seguir.
Concepções da Filosofia da Educação e a construção do perfil
docente
Para melhor compreender a construção
filosófica da identidade e do perfil docente, faz-se necessário trazer nesta
reflexão as caracterizações das concepções filosóficas da educação, que hoje
são discutidas nos meios acadêmicos e na formação continuada de docentes. As
concepções, segundo classificação proposta por Saviani (1994), são: humanista
tradicional, humanista moderna, analítica e concepção dialética.
a) Concepção humanista tradicional:
Para esta concepção, também chamada de concepção essencialista, o sujeito
constitui-se de uma essência imutável e à educação cabe aceitar e acolher essa
essência. Não há lugar para inovações e as mudanças são consideradas
acidentais. O ser humano é o que é, ou seja, nasce determinado. Há duas
vertentes nesta concepção, a religiosa, cuja manifestação se consubstancia nas
correntes do tomismo e do neotomismo e a vertente leiga, centrada na ideia de
“natureza humana”. É desta vertente que surgiu os sistemas públicos de ensino
laicos, obrigatórios e gratuitos. Destaca-se, neste sentido, o intelectualismo
de Herbart, que desenvolveu o método de ensino que pode ser sintetizado em
cinco passos: preparação; apresentação, assimilação; generalização e a aplicação.
Método utilizado na maioria das escolas até os dias atuais. Na visão
tradicional se privilegia o adulto, considerando-o como homem completo. Por
isto, a educação se centra no educador e no conhecimento.
b)
Concepção humanista moderna: Esboça-se numa visão de homem centrada na vida, na
existência, na atividade. Esta concepção abrange correntes, como o
existencialismo, pragmatismo, fenomenologia. A existência precede a essência.
Conforme Dewey (1980), a educação é vida; vida é desenvolvimento e a finalidade
do desenvolvimento é mais desenvolvimento. A natureza humana é mutável,
determinada pela existência. O homem é considerado completo desde o nascimento
e inacabado até morrer. Então, a educação foca-se no educando, na vida, na
atividade. O elemento que define o ser é característica do próprio existir. O
homem é ligado de forma concreta à realidade e a partir desta ligação com o
mundo vai se construindo. O ser é de fato o que parece, a realidade está no
fenômeno e não fora dele. A educação não segue um processo contínuo, segue um
ritmo variado, determinado pelas diferenças individuais, em que, às vezes,
predomina o psicológico sobre o lógico e os momentos educativos acontecem
independentemente da vontade ou da preparação. O necessário é estar pré-disposto
para esta possibilidade de acontecimento.
c) Concepção analítica: O
significado de uma palavra só pode ser apontado em função do contexto que é
utilizada, entendido como contexto linguístico e não sócioeconônico ou
político. Parte do princípio de que o significado de uma palavra é dado pelo
emprego, pelo uso ou funcionalidade que se faz dela. Ou seja, pressupõe que a
tarefa da Filosofia da Educação é efetuar a análise lógica da linguagem
educacional.
d) Concepção dialética: Concebe o
sujeito com o resultado das relações sociais e de seu meio social. Admite a
realidade como algo dinâmico, mutável, sujeito a transformações. A tarefa da
Filosofia da Educação é explicitar os problemas educacionais, que precisam ser
entendidos como integrantes de um contexto histórico que estão inseridos. Assim
como a concepção humanista moderna, a concepção dialética admite que a
realidade é dinâmica e este dinamismo se explica pela interação recíproca de
todas as partes que o formam, bem como das contradições que lhe são inerentes,
portanto, sua própria negação. Neste sentido, a educação tem o papel de
contribuir para uma nova formação, a partir da velha e dominante, pois a
essência humana nesta concepção é produzida historicamente. Ela existe assim
que o ser humano nasce, mas é dinâmica, produzida e modificada historicamente.
As concepções
destacadas acima se articulam com as correntes ou tendências filosóficas:
positivismo relaciona-se com a concepção tradicional; o existencialismo com a
concepção humanista moderna; o marxismo com a concepção dialética e a
fenomenologia com a concepção analítica.
Consideramos
oportuno articular estas correntes e tendências filosóficas com as propostas e
práticas educacionais, visando contribuir para uma maior compreensão acerca da
construção do perfil docente a parti do olhar desta articulação.
O positivismo é
compreendido como um paradigma filosófico naturalista e materialista, que
compreende três idéias centrais todo o conhecimento do mundo material decorre
dos dados ‘positivos’ da experiência e é somente a eles que o investigador deve
aterse; existe um âmbito puramente formal, no qual se relacionam as ideias, que
é o da lógica pura e o da matemática; todo conhecimento dito “transcendente”
metafísico, por exemplo, se situa além de qualquer possibilidade de verificação
prática, portanto, deve ser descartado.
O contexto
educacional escolar amparado nesta ideologia serve aos interesses da classe
dominante, pois propaga a reprodução do status quo. O sistema educacional
brasileiro pelo paradigma positivista organiza o ensino por disciplinas
isoladas, desconsiderando os saberes sobre o homem e sua existência. As aulas,
com essa orientação, tornam-se repetitivas e reprodutivas, com conteúdos
descontextualizados e fragmentados. O professor, na visão da escola
tradicional, deve reproduzir o conhecimento que é pronto e acabado. Cabe ao
aluno memorizar e reproduzir a informação. O professor fala, o aluno ouve. Não
há tempo para discussões ou questionamentos, portanto, não há tempo também para
construção de novos conhecimentos ou elaboração do pensamento crítico. Assim, a
educação escolar concebida no positivismo, para Ronca; Terzi (1996, p. 24):
“... ao invés de
incentivar a organização de pensamento, incita à dispersão, à superficialidade.
Troca a possibilidade de uma reflexão crítica mais coletiva pela certeza da simplista transferência de
conhecimentos, mais unilateral e individualista. Egocêntrica, talvez: é o
professor que transfere o conteúdo que ele sabe. O aluno o recebe pronto. Basta
memorizá-lo. Mais tarde, na prova, será cobrado.”
Entretanto,
segundo Demo (1987), com o positivismo ganhou-se mais rigor científico,
agarrando-se nas condições lógicas das pesquisas. Por outro lado, vem se
atribuindo um crescimento maior pela análise filosófica, pois ela vem
contribuindo com a reflexão epistemológica para a invenção de novos métodos que
dêem conta de alguns problemas da ciência. Além disso, a ciência necessita da
reflexão filosófica para desvendar os interesses que comandam seus processos e
utilização de seus resultados.
Concebe-se a
fenomenologia como o estudo dos fenômenos em si mesmos, independentemente dos
condicionamentos exteriores a eles, cuja finalidade é apreender sua essência
que é a estrutura de sua significação. A fenomenologia é o estudo das essências,
e todos os problemas: a essência da percepção, a essência da consciência, por
exemplo. Mas também a fenomenologia é uma filosofia que substitui as essências
na existência. Toda a verdade é construída sobre o mundo vivido, e para fazer
ciência com sentido e com rigor, deve-se considerar a experiência do mundo, da
qual ela é expressão. Propõe uma reflexão exaustiva, sempre e contínua, sobre a
importância, validade e finalidade dos processos adotados.Não deve haver
sistemas concluídos, pois o papel de estar no mundo é sempre interrogá-lo. Na
fenomenologia as percepções dos sujeitos são importantes e, sobretudo, salienta
o significado que os fenômenos têm para as pessoas.
Os críticos da
fenomenologia afirmam que ela considera a história da realidade, sendo
conservadora, tal qual o positivismo, e que estuda a realidade com o intuito de
descrevê-la, de apresentá-la como ela é, de fato, em sua experiência pura, sem
intenção de nela realizar transformações substanciais.
Para a educação
escolar, a fenomenologia dá ênfase ao ator, na experiência pura do sujeito, em
forma subjetiva. Por conseguinte, não faz uma leitura crítica sobre a força
opressora e alienante da ideologia, que a classe abastada exerce sobre a classe
menos privilegiada. Segundo Trivinos (1987), elimina-se, por essa corrente
filosófica, todas as possibilidades que as informações possam se revelar além
da máscara que a ideologia dominante pode oferecer.
Para Luckesi e
Passos (2004, p. 227) a tendência filosófica marxista “constitui-se em uma
teoria materialista da sociedade, para a qual o mundo material exerce uma
predominância sobre o mundo ideológico e no qual o movimento é sua própria
essência.” Hegel, filósofo alemão do século XIX explica o materialismo
dialético afirmando que o processo dialético impulsiona o desenvolvimento da
ideia absoluta pela sucessão de momentos de afirmação (tese) de negação
(antítese) e de negação da negação (síntese). O materialismo histórico é a
aplicação da teoria de Marx ao estudo da evolução histórica das sociedades
humanas, pelas quais, o modo de produção dos bens materiais condiciona vida a
social, política e intelectual que, por sua vez, interage com a base material.
Autores como Marx, Engels, discutem que a história de todas as sociedades do
passado é a história da luta de classes. Nesse sentido, no decorrer do processo
histórico, as relações econômicas evoluíram segundo uma contínua luta dialética
entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores espoliados e
explorados.
O materialismo
histórico é a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas
que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática
social dos homens, no desenvolvimento da humanidade. Para Triviños (1987, p.51)
“o materialismo histórico significou uma mudança fundamental na interpretação
dos fenômenos sociais que, até o nascimento do marxismo, se apoiarem concepções
idealistas da sociedade humana”.
Desse modo, o
docente que se apoia nos fundamentos da matriz filosófica do materialismo
histórico dialético, deve ter presente em sua estrutura de pensamento uma visão
de mundo dialética da realidade natural e social. Deve estar convencido de que
existe uma realidade objetiva fora da consciência e que esta consciência é um produto
resultante da evolução do material, o que significa que para o marxismo, a
matéria é o princípio primeiro e 7 a consciência é o aspecto secundário. Este
processo se manifesta com uma explicação do processo histórico a partir das
relações de produção material na sociedade.
Esta corrente
filosófica revela a historicidade do fenômeno e suas relações em nível mais
amplo e complexo de um contexto e, ao mesmo tempo, estabelece e aponta as
contradições possíveis dentre os fenômenos investigados. Neste século, segundo
Luckesi e Passos (2004, p. 227), “a concepção marxista tem sido largamente
estudada como recurso para desvendar as tramas sociais”, no campo da política e
da educação. Destaca-se que foi nesta tendência filosófica que algumas
tendências pedagógicas se inspiraram para construir suas matrizes teóricas
muito discutidos nos meios acadêmicos e presentes nas diretrizes curriculares,
pensamentos e práticas escolares atuais, como por exemplo, o princípio de
interdisciplinaridade e contextualização.
Segundo Saviani
(1994), a partir da concepção dialética é possível compreender o aparecimento e
a superação das diversas concepções filosóficas e pedagógicas, que se
constituem no tempo e espaço, na medida em que se configuram as relações de
produção e poder da sociedade em questão.
Por esta
concepção, a formação docente precisa ser encaminhada no sentido de contribuir
para que o professor perceba e compreenda, crítica e globalmente, a sua prática
no confronto com o contexto micro e macropolítico da escola. Uma formação
docente que reconhece o conhecimento que os professores possuem com ênfase na
crítica reflexiva dos mesmos, possibilitando-lhes colocar o poder do cotidiano
escolar em discussão e a ultrapassar as limitações do existir.
Isso será
possível se o docente tiver oportunidade de ressituar suas pautas habituais,
alterando significados convencionais por novas linguagens, diálogos e novas
identidades. Se a formação se constituir como espaço no qual os professores
possam problematizar os discursos que servem para organizar e legitimar os
modos específicos de nomear, organizar e vivenciar a realidade escolar e social
(textos didáticos, disciplinas, currículos, divisão de tempo, espaço, etc.);
entender como se produzem as significações no âmbito dos espaços educativos em
que se movimentam, que em geral têm deles somente uma visão parcial e pouco
consciente (PEREIRA, 2009) .
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